Na Vila Circular, as casas não eram quadradas. Elas eram redondas, como abraços, e se organizavam em círculos perfeitos ao redor de jardins gigantes onde tudo que era plantado era compartilhado. O sol sempre brilhava, mas a verdadeira luz da vila vinha de um grande Baú de Luz que ficava bem no centro da pracinha.
Dentro desse baú não havia lâmpadas ou pilhas. A luz era feita de Combinações Cumpridas. Toda vez que alguém da vila combinava algo e cumpria – seja ajudar a regar as plantas, chegar no horário para a hora do conto, ou guardar os brinquedos depois de brincar – um pequeno cristal começava a brilhar dentro do baú. À noite, o baú se abria sozinho e aqueles cristais subiam para o céu, formando um lindo cinturão de estrelas cintilantes que iluminava todas as ruas e ajudava as florzinhas noturnas a crescerem.
Tudo na vila dependia daquela luz. Ela era quente, aconchegante e mantinha todos felizes.
O Leo era um menino com imaginação de ventania e pernas de corredor. Ele adorava inventar brincadeiras e sempre fazia mil combinações com seus amigos.
— Combinamos de nos encontrar na Ponte de Gelo depois do almoço para pescar nuvens! — ele dizia.
— Combinamos de eu levar minhas pedras que pulam para brincarmos no lago! — prometia.
No começo, Leo cumpria tudo. Mas, com o tempo, sua imaginação voava tão longe que ele se distraía. Um dia, foi observar formigas-construtora e esqueceu da pescaria. Outro, ficou tentando ensinar o pássaro-robô a cantar e não levou as pedras que pulam.
A cada combinação que Leo esquecia, uma pequena fagulha se apagava dentro do Baú de Luz. Ninguém notava de imediato. Mas as estrelas daquela noite ficavam um pouquinho mais fracas.
Os amigos do Leo, claro, ficavam chateados. Eles esperavam, esperavam, e ele não aparecia. Era como preparar um bolo lindo e não ter ninguém para soprar as velinhas. Uma pontinha de frio na barriga.
A quebra de confiança não era um monstro que rugia. Era como uma fresta bem pequena numa janela. Nos dias de vento, um friozinho entrava e dava arrepios. As crianças começaram a duvidar das combinações.
— Será que a Mara vai mesmo trazer os giz para desenharmos no chão?
— Será que o Theo vai lembrar de trazer a cola para consertarmos a casinha da árvore?
As perguntas "será que..." começaram a pairar pela vila como uma neblina suave. E, com cada dúvida, mais combinações iam sendo feitas pela metade. As pessoas ainda cumpriam, mas não com a mesma certeza de antes.
O Baú de Luz começou a ficar fracote. As noites na Vila Circular ficaram mais escuras. As florzinhas noturnas murcharam um pouco, e todos precisavam de agasalhos para sair à noite, mesmo no verão. Já não era mais tão gostoso brincar no escuro. Algo precioso estava se perdendo.
Leo foi o primeiro a notar. Ele foi se deitar uma noite e viu que havia menos estrelas no cinturão. E as que existiam pareciam cansadas. De repente, ele entendeu. Aquele frio na barriga que seus amigos sentiam era a mesma coisa que ele sentia agora: uma solidão gelada.

No dia seguinte, Leo chamou todo mundo no círculo central. Ele estava com o coração pesado, feito de chumbo.
— Eu sei por que o Baú está fraco — disse, com a voz quase um sussurro. — Foram as minhas combinações quebradas. Eu deixei promessas pelo caminho como se fossem pedrinhas sem importância. Mas elas não são. Elas são a tinta que desenha a confiança. Eu estraguei a nossa tinta.
Os outros moradores olharam para Leo, e não com raiva, mas com uma tristeza compreendida. E um a um, eles também começaram a confessar.
— Eu também esqueci de avisar que não viria na hora do chá... — disse a Mara.
— E eu combinei de arrumar a cerca e ainda não arrumei... — admitiu o Theo.
Eles perceberam que não era só o Leo. A fresta na janela tinha sido aberta por muitos descuidos.
A solução não foi prometer nunca mais errar. Isso seria outra combinação difícil de cumprir! A solução que encontraram foi muito mais simples e muito mais sábia.
Criaram o "Toque do Lembrar".
empre que fizessem uma combinação, não a deixariam voar sozinha pelo ar. Eles colocavam a mão no ombro do outro, olhavam nos olhos e diziam:
— Combinado e lembrado!
E a outra pessoa respondia:
— Combinado e guardado!
Era como se eles costurassem a combinação no mundo, para que ela não se perdesse.
Naquele mesmo dia, fizeram várias combinações pequenas e usaram o "Toque do Lembrar". À noite, quando o Baú se abriu, uma nova leva de cristais brilhantes subiu ao céu. As estrelas não voltaram ao brilho máximo de uma vez, mas piscaram com uma força alegre.
O frio na barriga de todos foi aquecido pelo calor do coletivo. Leo cumpriu sua próxima combinaçao – de ajudar a plantar girassóis – e fez o toque com sua avó. E quando aquele cristal subiu, ele foi um dos mais brilhantes.
A Vila Circular entendeu que a confiança é como uma plantação: precisa ser regada todos os dias com pequenos gestos de cuidado. E que, juntos, eles podiam manter sua luz sempre acesa, iluminando não só suas ruas, mas os corações de todos.
FIM.