No vilarejo de Cinzentália, onde todas as casas eram feitas de pedra musgo e as roupas eram tecidas com fios de névoa, vivia Lucas, um menino de cabelos tão pretos quanto as sombras da lua cheia. Mas Lucas tinha um segredo: em seus olhos brilhantes habitavam todos os arco-íris do mundo.
Enquanto os adultos viam apenas tons de cinza (uns mais claros, outros mais escuros), Lucas via o amarelo-tormenta das papoulas do campo, o verde-rio das folhas de salgueiro e o azul-canto do céu antes da chuva. Tentava explicar:
Olhem a borboleta! Ela é cor de fogo e de mel! - apontava.
Os adultos balançavam a cabeça, preocupados. A Dona Marta, a tecelã, dizia:
Coitado, confunde cores com febres. - e lhe davam chás amargos para "curar os olhos inquietos".
Até que um dia, a pequena Clara (que só enxergava tons de azul) notou algo estranho. Lucas lhe disse:
Sua fita preferida não é cinza-escuro... É vermelha como sangue de romã!
Clara tocou a fita, pensativa. Naquele mesmo dia, ao passar pelo pomar, percebeu que as frutas que Lucas chamava de "vermelhas" eram sempre as mais doces. Começou a segui-lo, pedindo:
Me diga qual abóbora é "laranja" por dentro!
Logo outras crianças se juntaram a eles. Pedro, que enxergava só verdes, descobriu com Lucas onde estavam as folhas mais tenras para seu coelho. Marina, que via amarelos, aprendeu a colher flores "roxas" para fazer tinturas mágicas.
Foi então que os Guardiões das Sombras Antigas começaram a cochichar. Eram adultos que acreditavam que "excesso de imaginação apodrece o juízo". O Sr. Baltazar, que tecia mantos cinza-ardósia, resmungava:
– Esse menino está virando as cabeças dos pequenos com invencionices! Cores? Que necessidade temos disso se vivemos bem há décadas?
A Sra. Hortênsia, que governava o mercado, batia o pé:
– Ontem a Clara recusou um vestido "sem vida"! Absurdo! Querem bagunçar nossa ordem?
Decidiram proibir as crianças de seguir Lucas. "Cores são perda de tempo", anunciavam. Chegaram a cobrir com tapetes a roda colorida que estavam construindo na praça.
Mas as crianças haviam aprendido um segredo: mesmo sem ver igual, podiam sentir. Pedro notou que onde Lucas apontava "verde-musgo", a terra era mais fértil. Clara descobriu que panos "vermelhos" esquentavam mais no inverno. Juntos, fizeram uma travessura genial

– pintaram a cabana do Sr. Baltazar com tons que só ele podia ver: azul-profundo nas vigias (para refrescar o verão) e marrom-terra nas portas (para esconder manchas). Quando o velho tecelão viu sua casa "cantar em silêncio", ficou sem palavras. Aos poucos, até os Guardiões começaram a sussurrar:
– Talvez... apenas talvez... haja sabedoria no que não compreendemos.
O vilarejo então se encheu de casas pintadas com as cores que cada um podia ver: listras douradas aqui, portais azul-ferrete ali, telhados cor de trigo maduro acolá. E no meio da praça, ergueram uma grande roda com todas as cores do mundo, onde cada um podia tocar a parte que enxergava.
E num cantinho, sob um arco-íris que Lucas jurou ter sete cores (mas cada morador via de um jeito), lia-se:
As cores existem mesmo quando não as vemos, e a magia mora no que fazemos juntos com elas.