Valentina estava no meio da aula quando sentiu aquele friozinho na nuca – como se alguém tivesse soprado uma pena bem no seu pescoço. Ela olhou para a carteira ao lado e... sabia.
— Luísa, hoje você trouxe um colar novo, né? — cochichou, antes mesmo de a amiga abrir a mochila.
Luísa arregalou os olhos, surpresa:
— Como você adivinhou?! É de contas coloridas que minha tia trouxe da—
— ...da praia, com uma conchinha azul no meio — completou Valentina, sentindo um formigamento de estrelas na barriga.
Foi assim que tudo começou.

O Mistério dos "Já-Vistos"
Naquela noite, Valentina rabiscou no seu diário cor-de-mel:
"Querido Diário,
Hoje o tempo fez cócegas no meu cérebro. De novo. Primeiro foi o colar da Luísa (eu VI ele antes de ela mostrar!). Depois, na hora do recreio, o pão de queijo da Dona Marta caiu EXATAMENTE como na minha ‘lembrança sem lembrança’. Até o João escorregou no mesmo pedacinho molhado do pátio que eu tinha ‘sonhado’ ontem! Será que eu virei uma fada do espelho sem avisar? Ou será que o relógio do mundo está com sono e repete coisas sem querer?"
A Teoria das "Piscadelas do Universo"
No jantar, Valentina observou o vovô cortando o bife e perguntou, fazendo vozinha de cientista:
— Vovô, o que acontece quando a gente sente que algo já aconteceu antes, mas... não aconteceu?
O vovô piscou, divertido:
— Ah, isso é quando o rio do tempo dá uma voltinha pra trás pra pegar algo que esqueceu. Igual você voltando pra pegar o casaco no cabide!
Valentina sorriu. Ela gostava da ideia de que o tempo era um rio com asas – às vezes voava em círculos.
A Primeira Missão Secreta
Na manhã seguinte, enquanto amarrava os sapatos, Valentina teve um flash: a imagem do vovô surpreso com a chuva, segurando o jornal sobre a cabeça. Correu para a janela – céu azul! Mas pegou o guarda-chuva amarelo e pendurou na porta, só por garantia.
Duas horas depois, quando as primeiras gotas começaram a cair, o vovô gritou da sala:
— Valentina, você é meu raio de sol previdente!
Ela anotou no diário, orgulhosa:
Hoje eu "conserti" o futuro! (É assim que se escreve? Não importa!) Lista de Mágicas Comuns
- Adivinhar o colar da Luísa ★
- Salvar o vovô de virar um biscoito molhado

Parte 2: A Missão - "O Sumiço da Pipoca"
Valentina estava no quintal, observando as formigas carregando migalhas em fila, quando aquela sensação veio de novo. Desta vez, era um cheiro: pipoca queimada. Ela franziu o nariz – não havia pipoca no fogão, não havia micro-ondas ligado... mas o cheiro estava tão real quanto o vento balançando seu cabelo.
Foi então que ouviu um miado aflito.
Valentina correu para a cozinha. Vovó estava distraída, lendo sua revista de receitas, e lá estava o forno ligado, sem nada dentro – por enquanto.
— Vovó, a senhora vai fazer pipoca no forno? — perguntou Valentina, tentando não parecer uma vidente de micro-ondas.
— Nossa, sim, querida! Como você adivinhou? Acabei de pegar o saco aqui... — disse a vovó, sacudindo um pacote de milho.
Valentina ficou elétrica por dentro. O cheiro do déjà vu, o miado... tudo se encaixava!
— Posso ajudar? Só pra ficar de olho...
Enquanto a vovó derramava o milho na assadeira, Valentina sabia o que viria a seguir: o telefone iria tocar, a vovó sairia para atender, e...
Triiiiiim!
— Ah, deve ser sua tia Lúcia! — a vovó saiu correndo.
Valentina ficou de guarda, olhos grudados no forno. Foi então que viu Pipoca (sim, o gato da vizinha se chamava Pipoca) pulando na janela, atraído pelo cheiro.
— Não, Pipoca! Isso não é pipoca pra você! — ela o pegou no colo exatamente quando o gato preparava o salto em direção ao forno.
O pacote de milho começou a estourar, mas Valentina já sabia: em três minutos, queimaria. Girou o timer do forno para desligar antes – algo que a vovó sempre esquecia.
Quando a vovó voltou, encontrou Valentina abraçando o gato e uma tigela de pipoca perfeita.
— Minha neta é um anjo da guarda gourmet! — riu a vovó, sem entender nada, mas feliz.
Naquela noite, Valentina escreveu:
"Querido Diário, Hoje eu desenroscai o futuro (sim, inventei outra palavra!). Salvei Pipoca de virar pipoca (isso foi meio trocadilho, né?). E a pipoca de verdade não virou carvão! Duas mágicas numa tarde só.
Lista de Mágicas Comuns:
- Impedir o gato de virar lanche ★★★
- Salvar o lanche da vovó ★★
PS: Acho que esses meus ‘momentos’ gostam de confusão. Será que posso usá-los pra achar minha meia perdida? Amanhã testo!"
No dia seguinte, Valentina decidiu fazer um experimento. Concentrou-se muito antes de abrir a gaveta de meias, tentando "ver" onde estava sua meia listrada preferida.
Nada.
— Hmm... então só funciona com emergências fofas? — suspirou.
Foi quando seu irmão caçula, Pedro, entrou correndo:
— Valentina! O Bruno falou que a gente não consegue subir na árvore do parque!
E então... piscou na mente dela: a imagem de Pedro escorregando do galho, chorando com o joelho ralado.
Valentina engoliu seco.
— Pedro, espere! — ela o segurou pela mochila. — Que tal a gente treinar primeiro no banco do jardim?
Pedro resmungou, mas aceitou. Enquanto ele subia e descia do banco, Valentina sorriu aliviada. Outra catástrofe evitada.

Parte 3: O Desafio – "O Aviso que Doía no Coração"
Valentina estava brincando de escolinha com seus bichos de pelúcia quando aquela sensação chegou — mas dessa vez, não veio como um cheiro, um som ou um friozinho. Veio como uma fisgada no peito , como se alguém tivesse apertado seu coração com uma mão gelada.
Ela viu :
- O irmão mais velho, Daniel, descendo a ladeira de bicicleta.
- O cachorro do Sr. Teodoro atravessando a rua de repente.
- O guidão girando, as rodas escorregando, o joelho de Daniel sangrando.
Valentina ficou paralisada. Isso não era um "beijinho do tempo" — era um grito .
Ela correu para o quintal, onde Daniel ajustava a corrente da bicicleta.
— Dani, você… você vai descer a ladeira da Rua das Hortênsias hoje? — perguntou, tentando disfarçar a voz trêmula.
— Claro! É a melhor pra treinar! — ele respondeu, sem perceber o rosto pálido da irmã.
Valentina mordeu o lábio. Se dissesse "não vá, você vai cair" , ele riria e iria mesmo assim. Precisava de um plano mágico .
Daniel achou a ideia divertida. "Pelo menos assim eu consigo vigiar" , pensou Valentina.
Enquanto os dois perseguiam o cachorro (que achou tudo uma brincadeira maravilhosa), Valentina sentiu o coração aos pulos. Tinha mudado o futuro?
Mas ao voltarem para a bicicleta, Daniel escorregou num pedaço de areia e… ralou o joelho .
— Ah, não! Olha só o que você fez, Valentina! Se a gente não tivesse saído correndo, eu não teria caído! — ele resmungou, limpando o sangue com a camiseta.
O Diário das Lágrimas Secretas
Naquela noite, Valentina escreveu com letras molhadas (algumas bem borradas ):
"Querido Diário, Hoje eu não conserti o futuro. Só o embaralhei. Dani caiu de outro jeito, mas caiu. Será que algumas coisas são... pontilhadas? ( Igual o desenho que a gente liga os pontos? Não dá pra mudar o final, só o caminho? )
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Lista de Mágicas Comuns:
- Salvar Dani do cachorro… mas não da queda ★★
- Chorar escondido no armário ★ (não é mágica, mas dói menos)
PS: Vovó diz que até os remendos viram histórias. Amanhã vou colar um band-aid no Dani e fingir que é um selo de coragem."
A Sabedoria da Vovó
No café da manhã, a vovó colocou um pão quentinho na mão de Valentina e disse, como se lesse seus pensamentos:
— Algumas dores a gente não pode evitar, flor. Só pode amaciar a queda.
— Como um travesseiro no chão? — Valentina sorriu, com os olhos ainda inchados.
— Isso mesmo! — a vovó apertou sua mão. — E sabe o que é o melhor travesseiro? Avisar . Mesmo que a pessoa caia, ela sabe que você estava lá.
Parte 4: O Segredo da Vovó – "As Flores do Passado que Voltam a Florescer"
Valentina encontrou a vovó no sótão, tirando pó de uma velha caixa de madeira com o nome "Clara".
— Vovó, o que é isso? — perguntou, sentindo aquele frufru de asas no estômago que anunciava algo importante.
A vovó sorriu, abrindo a tampa. Dentro, um diário cor de musgo, um lenço bordado com borboletas e... um relógio de bolso enferrujado.
— Quando eu tinha sua idade, chamava isso de minhas previsões de algodão-doce — confessou a vovó, passando o dedo sobre o relógio parado. — Eram doces, mas grudavam nos dentes.
O Diário que Era um Espelho
Valentina folheou as páginas amareladas. Escrito em letras infantis:
"15 de agosto de 1955
Hoje salvei o vovô (que ainda era só o ‘João do armazém’) de levar uma casca de banana no meio da rua. Eu sabia que ele ia escorregar, porque já tinha visto ele de bengala na minha cabeça ontem à noite."
Valentina olhou para a vovó, arregalando os olhos:
— Você também...?
— Também — a vovó piscou. — Mas com o tempo, os atalhos mágicos ficam mais quietinhos. Eles gostam mais de crianças, que ainda escutam com os olhos fechados.
A Última Página em Branco
A vovó apontou para o relógio de bolso:
— Esse aqui era do meu avô. Ele dizia que o tempo não é uma linha reta — é um caracol. Às vezes a gente mora na mesma voltinha duas vezes.
Valentina abriu o relógio. Dentro, em vez de ponteiros, havia um desenho:
🌱 Uma semente no passado
🦋 Uma borboleta no presente
— Isso significa que minha mágica vai embora quando eu crescer? — Valentina perguntou, com um friozinho na voz.
— Não, queridinha — a vovó a abraçou. — Você só aprende a chamá-la por outro nome: coragem , intuição , amor .

Parte Final: "O Diário sem Fim"
Naquela noite, Valentina escreveu sua última anotação:
"Querido Diário, Agora eu sei: não sou uma fada, nem uma vidente. Sou uma menina-ponte — que liga os ‘ainda-nãos’ aos ‘já-acontecerams’. E isso é melhor que mágica, porque é de família.
-
Lista de Mágicas Comuns (atualizada):
- Descobrir que minha vovó era uma super-heroína ★★★★★
- Aprender que o tempo não é um chefe bravo — é um vovô contador de histórias.
PS: Amanhã vou ensinar o Pedro a ‘ouvir’ os beijinhos do tempo. Mas primeiro, ele tem que parar de colar chiclete no meu diário."

Epílogo: Dois Anos Depois
O diário cor-de-mel agora divide a estante com o caderno de ciências de Valentina. Ela ainda tem momentos, mas já não os anota.
Até que, num dia comum, sua irmã mais nova, Sofia, entra correndo:
— Valentina! Eu tive um cheiro de lembrança! Sonhei que a torta de maçã queimava!
Valentina sorriu, pegando a pequena pela mão:
— Vamos, fada do fogão. Eu te ensino a consertar o futuro...
E assim, como um relógio que se reinventa, a magia continuou.
FIM.