Dizem que o tempo é como um novelo: se a gente puxa com carinho, ele desenrola boas lembranças na alma.
Dante tinha seis anos e já carregava saudades no peito, como quem guarda botões antigos num pote de vidro. Fazia tanto tempo que não via sua avó que às vezes ele se perguntava se ela ainda sabia dançar do jeitinho engraçado que só ela sabia.
A avó Geruza era uma artista das agulhas. Dizia que o mundo podia desmanchar lá fora, mas dentro de casa sempre haveria um pontinho de esperança esperando para ser bordado. Seus dedos sabiam mais do que os livros — teciam flores com lã, inventavam cobertas que contavam histórias e davam nome às cores como se fossem netos também: Rosa Brincalhona, Azul Esperto, Amarelo Festeiro.

Ela morava longe, numa vila com cheiro de pão quente e café passado no pano. Ali, todo mundo conhecia dona Geruza: a senhora que orava pelos vizinhos, não faltava nunca nas quermesses, e andava com a cabeça cheia de planos e o bolso cheio de linhas..
Mesmo depois de tantos anos fumando “as nuvens do mato seco”, como ela mesma chamava, a avó nunca adoecia. Dizia que o segredo era simples: “Crochê no amanhecer, reza no entardecer e um passinho de dança antes de dormir.”
Dante só a via agora nas fotos que costumavam ficar ao lado da tv da sala e em várias outras já até desbotadas que o Pai guardava na gaveta da sala. Numa delas, ela pulava amarelinha com ele no quintal, com uma saia vermelha rodopiando feito pião.
Mas um dia, o portão fez um som diferente. Era como se o vento anunciasse: "Ela voltou."
E lá estava a avó Geruza, com os olhos azuis claros brilhantes e cheios de linhas invisíveis que costuravam o tempo perdido. Ela abriu os braços e Dante correu como quem corre pra dentro de uma colcha quentinha.
“Você cresceu, mas seus abraços continuam do tamanho exato do meu colo”, ela disse, beijando-lhe o cabelo.
Durante os dias seguintes, a casa voltou a ter cheiro de lã, de café forte e gargalhadas. Dante reaprendeu o nome dos pontos: ponto alto, ponto segredo, ponto caranguejo — todos mágicos, todos contando pedaços da vida da avó.
À noite, ela lhe contava histórias com os dedos, desenhando castelos no ar com novelos de linha invisível. Ele via reis e rainhas feitos de crochê, dragões de retalhos e heróis que venciam o medo com um botão no peito.
Dante descobriu que a avó não era só uma senhora engraçada. Era uma guerreira com agulhas de prata. E mais: a arte dela era um remédio que se tomava com o coração.

Quando ela foi embora de novo — porque a vida também tem suas voltas e idas —, deixou para Dante um cachecol feito com todas as cores que usaram juntos.
“Esse aqui é pra quando sentir saudade, tá bem? Cada ponto é um abraço que eu te dei sem você perceber.”
E Dante, agora, sabia: o amor verdadeiro não desfia. Ele se entrelaça, se tece e se renova, igualzinho ao fio que dança no coração.